Raissa Marcondes: Mergulho nos arquivos com olhar na história da Zona Norte paulistana

Raissa Marcondes: Mergulho nos arquivos com olhar na história da Zona Norte paulistana

Matéria originalmente publicada em 12/6/2020

Minha primeira viagem nos arquivos

Meu primeiro contato no APESP foi em 2013 quando realizei uma pesquisa sobre cortiços da cidade para realização de um trabalho de graduação.

Foi a primeira vez que entrei em um arquivo para consultar e me lembro de todo auxílio que tive dos funcionários ao verem uma pesquisadora de ‘primeira viagem’, tentando compreender como pesquisar em uma instituição de tamanha importância.

Mas o contato maior que tive com os documentos do APESP foi em 2015, quando participei como pesquisadora voluntária no Grupo de Trabalho Perus, realizando pesquisa nos documentos do Instituto Médico Legal de São Paulo, importante para a identificação dos desaparecidos políticos durante a ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). O trabalho, realizado enquanto era graduanda na EFLCH-Unifesp, teve grande apoio do APESP, desde a disponibilização da documentação que está sob sua custódia até o auxílio de nossa permanência local, com infraestrutura adequada para o trabalho e demais necessidades.

Aspectos da formação da Zona Norte de São Paulo

Durante minha graduação em História, na Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo, o incentivo à pesquisa era constante para elaboração de diversos trabalhos para as disciplinas curriculares.

A realização destes trabalhos possibilitou uma certa vivência em diversas instituições de custódia documental, como o APESP, Arquivo Histórico Municipal de São Paulo, Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo e Acervo do Museu Paulista da USP.

Mediante realização de uma Iniciação Científica fomentada pela FAPESP entre 2015 e 2016 sobre o Jardim Dona Rosa, uma vila construída por holandeses no Alto de Santana entre 1952 e 1954, foi necessário consultar o Arquivo Geral da Prefeitura de São Paulo e o Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, em conjunto com a pesquisa em hemerotecas digitais, que possibilitou melhor compreensão sobre as relações de sociabilidade entre imigrantes holandeses na cidade de São Paulo, bem como a atuação de Dirk Berkhout e Selma de Vita Berkhout, proprietários do Jardim Dona Rosa, no mercado imobiliário na cidade de São Paulo e da própria construção do conjunto, conhecido popularmente como Vila Holandesa.

Documentos revelam sujeitos históricos na urbanização

Estas experiências foram importantes para o desenvolvimento de minha pesquisa atual no mestrado sobre o processo de urbanização da Zona Norte de São Paulo, realizada no Programa de Pós-Graduação em História da UNIFESP e intitulado A face social da infraestruturação da Zona Norte de São Paulo: análise histórica por meio da implantação do Tramway da Cantareira (1893-1924), com fomento da FAPESP, cujo principal objetivo é compreender aspectos da formação da Zona Norte da cidade de São Paulo a partir da implantação desta ferrovia, considerando a atuação da população neste processo, em especial os residentes ao redor da linha e de investidores privados.

“Lista com nomes de colonos e seus respectivos lotes”, em 1878, no Núcleo Colonial de Santana. Acervo APESP, fundo Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo.

Dentre o vasto acervo do APESP, o Fundo Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo contém importante documentação que utilizo atualmente em minha pesquisa de mestrado.

Trata-se do conjunto documental sobre os Núcleos Coloniais do Estado de São Paulo, em especial sobre o Núcleo Colonial de Santana. A documentação é bastante variada, onde encontro diversos requerimentos, pedidos de lotes, nomes de imigrantes e características específicas, como nacionalidade, religião e profissão.

Um dos documentos principais que utilizo mostra a lista de colonos que se instalaram em Santana entre 1877 e 1878, indicando os respectivos lotes ocupados por cada um. Os documentos me auxiliam na compreensão sobre os habitantes da região antes da chegada do Tramway da Cantareira e de que forma estes mesmos colonos atuaram na formação local, promovendo estes sujeitos enquanto agentes históricos no processo de urbanização da região. Vale ressaltar que esta documentação está digitalizada e disponível no site do APESP, em ótima resolução, o que ajuda meu trabalho de pesquisa.

Importância da história institucional

Uma das principais dificuldades enquanto pesquisadora da história da urbanização da Zona Norte é de ter em mente os temas que propomos analisar, mas que, no entanto, tornam-se complicados quando temos que saber com exatidão onde buscar estas informações. É preciso conhecer bem a história de instituições que promoveram melhorias locais, se houver mudanças de nomes, se as atividades permaneceram ou não sob suas responsabilidades ou foram modificadas e prestar atenção nos diferentes indícios que as fontes nos apresentam, como nomes de sujeitos que participaram desse processo. Compreender este trajeto auxilia na busca por tais documentos e amplia o leque de possibilidades de busca não apenas em um arquivo, mas em outros que, ao se cruzarem, compõem a trama urbana e respondem aos nossos principais questionamentos.

Tramway da Cantareira na formação da Zona Norte da cidade de São Paulo

Em 2018, iniciei a pesquisa de mestrado no APESP e é ela que vem me apresentando maiores resultados ao consultar o acervo. A pesquisa, que busca compreender aspectos da formação da Zona Norte da cidade de São Paulo a partir da implantação da ferrovia Tramway da Cantareira, mobiliza diferentes fontes. A partir da análise dos documentos presentes no documentos da Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas do governo estadual, é possível compreender o processo de implantação da ferrovia e as principais questões que nortearam essa construção. As plantas e mapas do acervo cartográfico possibilitaram averiguar a formação de loteamentos na região, próximos às estações do Tramway da Cantareira. Por fim, a documentação sobre o Núcleo Colonial de Santana expõe quem eram os habitantes da região, suas características específicas e atuação na região. A pesquisa, que está em desenvolvimento, ainda entrará mais a fundo nesses documentos, trazendo novas perspectivas para a história da formação urbana da Zona Norte de São Paulo, principalmente ao redor da linha férrea.

Importância da cartografia para compreensão da conformação espacial

Os documentos cartográficos do APESP são fundamentais na pesquisa que atualmente estou desenvolvendo.

Pesquisar a Zona Norte da cidade de São Paulo significa também esbarrar em números reduzidos de documentos que possam possibilitar compreender a conformação espacial do local em fins do século XIX e início do XX. Por este motivo, ao entrar em contato com os funcionários do APESP, que desde o início mostraram-se prestativos em auxiliar na busca por cartografia da região, pude consultar diversos documentos que me mostraram novas informações sobre a área de estudo, especialmente alguns loteamentos próximos à linha férrea, os nomes das empresas e de indivíduos envolvidos nestes empreendimentos, plantas com sítios da região e seus respectivos proprietários, dentre outros que possibilitam aprofundamento da pesquisa.

Arquivos: um direito à memória

Os arquivos são de máxima importância para a produção do conhecimento, da formação cultural, de identidades e da memória de uma sociedade. Sem arquivos, o passado de uma sociedade torna-se nebuloso, praticamente impossibilitando a produção do conhecimento histórico e negando à sociedade seus direitos enquanto indivíduos que se constituem por meio de processos e como agentes históricos. Conhecer seu passado por meio de documentos nos auxilia no preenchimento de lacunas, a responder questões atuais e que podem ter suas origens num passado distante ou recente. Os arquivos são fonte de elucidação, de análise para que o que se construiu no passado seja compreendido no presente e não restem dúvidas e incertezas para os caminhos que a sociedade irá percorrer.

Dicas para iniciantes em arquivo

Para aqueles que pretendem iniciar pesquisas em arquivos, sugiro duas coisas principais, que qualquer pesquisador precisa ter: interesse e foco. Interesse, porque é preciso, antes de iniciar a pesquisa em qualquer instituição, conhecer seu objeto de pesquisa de forma que possa identificar em qual arquivo e fundo documental consultar. Foco, porque sem ele, o arquivo torna-se uma verdadeira tentação, podendo apresentar diversas fontes, mas que podem levar a dispersão do pesquisador, fugindo de seu propósito inicial e impossibilitando uma análise mais completa sobre seu objeto de estudo principal.

Publicações resultantes de pesquisas em arquivos

As pesquisas realizadas em arquivos possibilitaram a produção de alguns artigos e em um capítulo no livro “A Cidade Interpretada: estudos históricos sobre Arquitetura, Urbanização e Preservação”, organizado pelo prof. dr. Fernando Atique e Diógenes Sousa. O capítulo, intitulado O Jardim Dona Rosa: trajetória de uma vila no Alto de Santana, apresenta as principais motivações do casal Dirk Berkhout e Selma da Vita Berkhout para a construção da vila na década de 1950 e como as relações entre holandeses na cidade de São Paulo proporcionaram sua edificação.

MARCONDES, Raíssa Campos. O Jardim Dona Rosa. Trajetória de uma Vila no Alto de Santana. Pg. 33/44. IN: ATIQUE, Fernando, SOUSA, Diógenes (Orgs.). A Cidade Interditada. Estudos Históricos sobre Arquitetura, Urbanização e Preservação. Cadernos Lab.Hum. v.I. EFLCH/Unifesp, Guarulhos, São
Paulo, 2019.

A publicação integral pode ser obtida gratuitamente no link:
http://capph.sites.unifesp.br/novo/images/capph/producao/A_Cidade_Interpretada_CAPPH_2019.pdf

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